Esta quarta-feira, no seu primeiro dia em Portugal no âmbito da Jornada Mundial da Juventude, que é acolhida este ano em Lisboa e trouxe mais de um milhão de pessoas ao nosso país, incluindo mais de 300 mil peregrinos, o Papa Francisco fez um discurso que ficou marcado por uma série de referências a poetas, escritores, cantores e artistas portugueses, mas não só.
As palavras de Francisco, de responsabilização da Europa para assumir o leme global da paz, tomaram um cunho mais político, num discurso marcadamente europeísta, de apelo à união, e à não divisão, não só entre as fronteiras entre países, mas também às ‘divisões’ que a separa de outros países/continentes.
Recorde aqui o discurso do papa na íntegra.
Nesse sentido, a Executive Digest falou com o politólogo, investigador e professor universitário José Adelino Maltez, que comentou e analisou alguns aspetos do discurso do sumo-pontífice.
Como viu o discurso do papa Francisco, na quarta-feira? Considera que foi um discurso mais político do que o habitual?
Foi um discurso de doutrina social da igreja. Desde 1891 que os Papas elaboram a aplicação do catolicismo a um mundo a uma conceção do mundo e da vida. Desde Leão XII que há doutrina social da Igreja. E este Papa repete os passos que sucessivamente foram dados e atualizados pelos vários papas.
Foi sobretudo um discurso posto perante o essencial. O que ele disse foi ‘a minha conceção é Católica’, isto é, católico quer dizer universal, uma visão do mundo global, mas fazendo um apelo a que a Europa seja mais ativa na participação desse mundo global. Sobretudo no extremo ocidental da Europa, com as invocações sobre a ‘proa leste a Europa’, referências à guerra na Ucrânia e à guerra no Médio Oriente. E que foram as ‘lições’ do Vaticano no que respeita à paz.
Foi um discurso marcadamente europeísta?
Europeísta e não só! Foi uma visão do mundo, do mundialismo nestas épocas. E sobretudo com esta faceta de salientar que um dos defeitos da atual globalização é a falta de espiritualidade. Foi essa leitura que fiz. Não deu novidades nenhumas, é o que ele costuma dizer. Este Papa não é um filósofo, que em cada linha produz, mas é um missionário e um divulgador. Portanto, foi um discurso das habituais declarações do Papa Francisco.
Foi referida uma Europa como “construtora de pontes”, a necessidade de seguir uma “diplomacia da paz” por “vias inovadoras”. As instituições europeias irão responder?
O Papa disse tudo isso, e as instituições europeias quereriam fazer isso. O problema aqui é que falta construir a Europa, e até foi o apelo que ele fez, de que esta Europa não está ainda construída.
Ficará então esse desafio para o futuro, como outros referidos, da exclusão social, desigualdades, alterações climáticas, poluição dos mares, divisões sociais,…? Qual foi a visão deixada pelo Papa?
É uma visão para o futuro. Isto foi renovado por João XXIII e a encíclica que atualizou a doutrina social era ‘Paz interna e paz na Terra’, e depois veio Paulo VI com o ‘Progresso dos Povos’. No fundo é isto, mas com a inclusão neste processo do conceito do humanismo, desta doutrina social da Igreja. E que não é nova, vem dos anos 60, esta visão do novo mundo. E Francisco não abdica deste conceito de humanismo, dizendo, no entanto, que há medidas que não correspondem ao conceito humanista dos católicos e que vão desde a liberalização do aborto, à permissão da eutanásia. Ele não deixou escapar nada disto no discurso, também não é novidade.
Lisboa foi ‘pintada’ com poemas, letras de músicas nas palavras do Papa, e descrita, no fundo, como ‘rosto’ da Europa nesta missão de futuro, mesmo a partir do nosso ‘cantinho’. É merecida esta confiança em Lisboa?
Cheira a mar, como ele disse! [gargalhadas] E portanto é quase como cabeça da Europa toda o reino lusitano, onde a terra acaba e o mar começa. O Papa fez apelo a essa visão oceânica, onde os portugueses costumam dizer que são os pioneiros e com toda a razão. Digamos que foi um “abraço armilar” que ele deu a Portugal. Fica bem e até nos entende.
Como nós fomos por aí fora com autorização do Papa [nos Descobrimento], ele veio cá ver também a obra que fez. Ele [a figura do Papa] é tão responsável pela expansão portuguesa quanto nós, autorizou-nos.
Falar em colonialismo com Bergoglio é falar no italianos que foram para o extremo sul da América! Não o estou a ver ter condições para ser retornado para Itália. É argentino-italiano, que está no seu papel universal, e que é o representante também do colonialismo. Mas nós também somos vítimas do colonialismo do Hiper Romano e estou a falar romano, e estamos todos a falar a língua do colonizador e a transformá-la em língua universal. E este latim-lusitano, e também o que falam noutras línguas, mas é o mesmo abraço armilar, no seu sentido mundial.













